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Valor Econômico - Eu & Cultura  |  03/2013
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11/03/2013 - CINEMA | INVESTIMENTO - O cinema como prazer e comércio
Por Diego Viana | De São Paulo

Para transformar o dono de brasserie provençal em um dos principais gestores do circuito decinema de arte do Brasil, foram necessárias uma leve dose de acaso e a profunda convicção de que o trabalho deve ser prazeroso.

Dono do cinema Reserva Cultural, em São Paulo, e da distribuidora Imovision, que foi pioneiro na divulgação do cinema iraniano e do movimento Dogma 95 - o original, dinamarquês, como faz questão de frisar -, o francês Jean Thomas Bernardini tem o comércio no sangue e dispensa ao mercado de filmes artísticos o mesmo olhar profissional que dedica aos fornos da Pain de France, padaria que abastece hotéis, restaurantes e, é claro, cinemas de São Paulo.

Sem a intervenção do acaso, a distribuidora, que hoje possui os direitos de mais de 40 filmes ainda a lançar e tem 20 estreias marcadas para os próximos meses, teria durado menos de um ano. Era 1989, Bernardini vivia no Rio e fabricava peças de roupas em jeans no interior de São Paulo. Um conhecido telefonou da França perguntando se ele poderia ajudar a distribuir um filme recém-lançado. Era "Inverno de 54", com Lambert Wilson e Claudia Cardinale.

Assim nasceu a Imovision, cujo nome abria caminho para que a empresa, depois de espalhar um único filme pelas salas do Brasil, se tornasse uma imobiliária. "Nunca me preocupei muito com o nome da empresa, a ideia era fechá-la depois de distribuir esse filme", diz o dono, que se prepara para celebrar o primeiro quarto de século da companhia.

Acontece que "Inverno de 54" conta a história do abade Pierre, um dos personagens mais queridos pelos franceses por sua luta em defesa dos sem-teto. O abade, morto em 2007, era querido também no Brasil: ao saber do lançamento, Leda Collor, mãe do então presidente eleito Fernando Collor, telefonou para o distribuidor iniciante e ofereceu incentivo para o filme, até então destinado apenas ao limitado circuito de cineclubes.

Com o apoio ilustre, o próprio clérigo francês fez uma visita ao Brasil, o filme teve uma trajetória bem-sucedida e outros produtores europeus vislumbraram um canal para promover seus filmes no distante mercado sul-americano.

"Na França, pensaram que eu era bom de marketing. Começaram a oferecer filmes, mas as salas eram poucas. Ainda por cima, o cinema francês era mal visto - porque, naquela época, estava chato, mesmo. Então comecei a distribuir alguns filmes em cineclubes, quatro ou cinco por ano", relembra. "Naquele tempo, isso era suficiente, porque um filme podia ficar um ano em cartaz, como foi com o 'Mahabharata' [de Peter Brook]. Hoje, isso é impensável."

Paralelamente, o interesse do empresário pelo ramo da moda já era minguante. "As pessoas não tinham profissionalismo. Viajei com um estilista para a Itália e ele me deixou na mão. Foi passear."

Ironicamente, a política econômica do filho de dona Leda ajudou a sufocar o negócio de jeans. Além do sequestro da poupança, o Plano Collor continha um congelamento de preços que foi fatal para o europeu desacostumado com a flexibilidade ética dos brasileiros.

"Eu informei corretamente meus preços; outros não fizeram isso. Mas os fornecedores de tecido aumentavam os preços por baixo do pano. Queriam receber o valor oficial declarado e mais algum dinheiro por fora. Eu não tinha como competir."

O contato com a falta de profissionalismo e a desordem institucional de um Brasil que se redemocratizava poderiam ter desanimado o empresário, cujos avós eram hoteleiros na França e cujo pai foi dono de uma rede de autoescolas. Com seu faro de comerciante, o francês percebeu, atrás dos riscos, uma fonte inesgotável de oportunidades de negócios. "No Brasil, tudo ainda estava por fazer. Bastava ter uma ideia e colocá-la em prática. Se abríamos uma empresa e ela quebrava, abríamos outra. Na Europa, já tiveram todas as ideias."

'Não é porque o filme não arrecada milhões que a pessoa tem de sentar numa poltrona ruim, com a cabeça de alguém bloqueando a vista'

Nos primeiros anos do século XXI, parecia que o circuito de cinema independente estava condenado em São Paulo. Pouco a pouco, desapareciam os cinemas da região da avenida Paulista. Fechou o Top Cine, fecharam os cinemas Gazeta e, mais tarde, seria a vez do Gemini e do Belas Artes. As salas novas eram abertas nos shoppings, "bem perto das praças de alimentação e cheios de blockbusters", lembra Bernardini.

"Começou uma história de que o cinema independente tinha se tornado inviável, mas eu sabia por que parecia assim", diz o empresário. "Não adianta colocar filme de arte em cinema de shopping. Não era o filme que não funcionava, a programação é que estava equivocada."

Era um tempo em que o campo do cinema estava cindido. De um lado, novos complexos com salas confortáveis, som de qualidade e fácil acesso, passando os últimos grandes sucessos de Hollywood. De outro, poucas antigas salas de rua que sobreviviam por um fio, "bastante mal cuidadas", passando ainda alguns filmes independentes. Por fim, as salas especiais, como o Cinesesc, e as primeiras salas patrocinadas.

A cisão estava na origem do problema que o empresário identificou. "O público do cinema de arte tem de se reconhecer e se identificar com o lugar que frequenta. Não é porque o filme não arrecada centenas de milhões de dólares que a pessoa tem de sentar numa poltrona ruim, com a cabeça de alguém bloqueando a vista da tela", argumenta.

Em 2005, como se quisesse demonstrar sua tese, o distribuidor virou exibidor. "Nunca fui a favor de misturar as funções. Para mim, o produtor deve produzir, o distribuidor, distribuir e o exibidor, exibir. Mas estava começando uma mistura de funções e eu também tinha minhas ideias", diz Bernardini. "O importante é ser profissional: se um filme que eu distribuo vai pior que o de outra distribuidora, sai o meu e fica o dela."

"Precisa existir um cinema que se dedique especificamente ao filme de arte, mas que seja bonito, agradável e atraia as pessoas", explica. Aproveitando o espaço dos antigos cinemas Gazeta, na avenida Paulista, Bernardini fundou um complexo de quatro salas, restaurante, livraria, café, um bar (que não deu certo e foi fechado) e, agora, um pequeno entreposto de sua padaria. "Às vezes me refiro ao Reserva Cultural como 'miniplex'. Ele tem a lógica parecida com a dos cinemas de shopping, mas em outra escala e com um público específico", explica o dono.

"Os frequentadores do Reserva Cultural costumam ter bom gosto, mas isso não tem nada a ver com dinheiro; na verdade, o novo-rico não vê cinema de arte de jeito nenhum", diz. "No máximo, vai almoçar no restaurante, porque é uma coisa bem vista, e acaba vendo um filme. Nesses casos, de repente consigo fisgá-lo."

Para Bernardini, a expressão "filme de arte" não ajuda a atrair público, já que "ninguém gosta de filme de arte a priori" e, na realidade, "muitas vezes chamamos de 'filme de arte' aquele que simplesmente não é americano". Como o sistema de Hollywood dominou a produção e a distribuição no mundo, grandes sucessos de bilheteria locais passam a parecer obras alternativas no mercado externo.

"Tenho amigos que começaram a frequentar meu cinema só para me agradar, mas hoje dizem: 'Sabe que não consigo mais ver um filme americano?'" O empresário se delicia com a lembrança. "Gostar de filmes menos comerciais é algo que só acontece naturalmente. Uma pessoa não pode ser forçada, isso não se ensina em cursos. Senão é como na escola, onde uma pessoa que detesta matemática é obrigada a aprender a matéria, mas nem por isso vai começar a gostar."

O projeto do Reserva Cultural - cuja realização arquitetônica, famosa pela ampla janela entre o restaurante e a rua, ficou a cargo de Naassom Ferreira Rosa - era a adaptação de uma ideia antiga, da qual o comerciante demonstra muito orgulho. No começo dos anos 1990, o empresário francês teve a ideia de construir um enorme complexo de cinemas em São Paulo, com 16 salas, algumas enormes, de até 1.400 lugares, para receber grandes sucessos de Hollywood, outras pequenas, para o cinema independente. "Teria sido um dos primeiros multiplex do mundo", afirma o idealizador.

"Cheguei a falar com o governo do Estado, que prometeu um terreno na marginal Tietê. Encomendei um estudo de viabilidade à Fundação Getúlio Vargas (FGV), que veio com mais de 400 páginas, e o projeto a Stanislas Fiszer, arquiteto dos Arquivos Nacionais, de Paris", afirma Bernardini, que ainda guarda os documentos como recordação. "Depois o governo me enrolou e não liberou terreno nenhum", diz. Aquilo que teria sido um multiplex acabou se transformando em "miniplex", mas "quem trabalha no Brasil, estrangeiro ou não, tem que ter jogo de cintura", conclui.

O Reserva Cultural, em plena avenida Paulista, poderia servir de exemplo de empreendimento cultural que, sem vender-se à tentação puramente comercial dos blockbusters, sobrevive sem patrocínio de grandes empresas. Mas o proprietário não endossa o uso de seu espaço como exemplo, sobretudo porque a ausência de parceiro não foi uma escolha deliberada.

"Já tive várias conversas com possíveis patrocinadores, que acabaram não indo adiante, por um motivo ou outro." O empresário acrescenta que nem todo patrocinador seria interessante, apesar do aporte financeiro e da possibilidade de cobrar ingressos mais baratos. "Eu adoraria uma empresa que acrescentasse algo ao cinema, e não só colocasse a marca em troca de dinheiro." Um exemplo de parceiro ideal seria uma empresa que atuasse com tecnologia.

Muitos amantes de filmes de arte torcem o nariz com veemência para Hollywood. Os cinéfilos mais radicais talvez não imaginem que a sede da Imovision enfileira nas paredes cartazes de antigos sucessos americanos, com estrelas de outros tempos, como Elizabeth Taylor (1932-2011) e James Dean (1931-1955). O empresário confessa uma certa nostalgia. "O cinema americano mudou muito. Nos anos 50, era interessante, fez parte da nossa formação. Depois, virou puro entretenimento e afastou os cinéfilos. Ficou tudo igual: o sujeito mata sete ou oito e namora a menina mais bonita."

Enumerando na ponta dos dedos as transformações que testemunhou no audiovisual brasileiro, Bernardini se dá conta da variedade de experiências que teve. A Embrafilme foi extinta pouco depois do surgimento da empresa. Depois vieram a Lei Rouanet e a "retomada", e enfim a Lei doAudiovisual. O público aumentou algumas vezes, diminuiu em outras, ainda mais para filmes independentes. Apesar de tudo, Bernardini se diz otimista com o futuro do cinema independente no Brasil. "Trabalho com isto há 25 anos e nunca precisei trabalhar com um filme só porque ele daria dinheiro", diz. "Com todas as oscilações, pude manter a saúde da empresa."

Das três fases da cadeia do audiovisual - produção, distribuição e exibição -, Bernardini julga que a produção, justamente aquela em que ele não atua, está mais avançada. "Existem bons incentivos para produzir cinema no Brasil, mas ainda falta avançar na distribuição e na exibição. Hoje, é muito comum alguém fazer um filme e depois não conseguir mostrar, a não ser em festivais."

Embora reconheça que o mercado de distribuição melhorou de maneira geral, Bernardini considera que quem mais se beneficiou foram os filmes comerciais. Sua sugestão é que se criem mecanismos para facilitar a vida dos produtos mais difíceis. "Um filme tcheco, excelente, distribuído com uma ou duas cópias, poderia ter uma alíquota reduzida, por exemplo. Ele não é viável pagando o mesmo que produtos com muito mais escala, que podem negociar preços com os laboratórios."

O otimismo comanda o empresário a crer que o sistema vai se harmonizar de maneira favorável, e vê um exemplo a seguir em seu país natal. A França, diz Bernardini, pôde equilibrar o mercadoaudiovisual, com espaço para o cinema comercial e o de arte, graças a anos de debate. "O governo, produtores, distribuidores, exibidores, sentaram-se juntos e chegaram à conclusão óbvia: todos têm de sobreviver e conseguir ganhar alguma coisa", diz.

Um adversário inesperado da expansão dos cinemas de arte no Brasil foi a recente explosão dos valores imobiliários nas maiores cidades. Satisfeito com os bons resultados de seu "miniplex", Bernardini diz que gostaria de abrir mais um, mas recuou diante do preço dos aluguéis.

Em vez disso, o negócio mais recente de Bernardini é um café na Vila Madalena, onde também se vendem os pães produzidos por sua Pain de France. O cinema, porém, também é o horizonte deste empreendimento, embora gastronômico. Semanalmente, filmes distribuídos pela Imovision são exibidos de graça no café, em DVD.

"Minha única frustração com o Reserva Cultural foi ver que as pessoas não ficavam lá, discutindo, depois dos filmes. Era isso que eu queria. Espero que no Café Boulange isso aconteça!"

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